quinta-feira, 15 de outubro de 2009

REBELDE SEM CALÇA DIESEL

O problema de morrer cedo não é só ter a sua vida abreviada. A desgraça mesmo é continuar com a imagem de jovem pela eternidade. Maldita hora em que eu bati aquele carro. Queria uma vida digna de senhor de idade. Meu sonho era aproveitar as benesses da terceira idade. Não estou falando do passe livre em ônibus, fila especial em banco e nem da meia-entrada nos cinemas. Falo da liberdade maravilhosa de não precisar ser jovem. Especialmente agora. Nunca foi tão ruim e difícil ser jovem. Virou quase uma tarefa impossível.

É mentira dizer que a minha geração foi “rebelde sem causa”: isso serviu como nome de filme, mas não espelhava a realidade. Os anos 50 foram muito caretas, nossa. O que não faltava eram motivos para se rebelar. Havia o mundo velho e o mundo novo, e isso tornava simples a missão de você ser jovem.

Hoje o jogo complicou. Para alguém ser jovem, é preciso que alguém seja velho. E está difícil encontrar alguém que assuma esse papel. O ponto é esse. Falta contraste, não há com quem se contrapor. Os problemas abundam, mas as causas evaporaram. Para começar, falta um uniforme pertencente a uma só geração. Na minha época, bastavam uma jaqueta de couro, um jeans surrado e um topete, e pronto. Qualquer um na rua apontaria: olhe lá um jovem rebelde. Essas roupas estão nas vitrines de qualquer lojinha convencional de shopping ou no corpo de um cinquentão. Roupa suja? Não dá, as roupas já vêm fantasiadas de imundas. Tudo está na moda. Não é possível chocar ninguém.

Tatuagem não preciso nem falar. Hoje ela virou uma banalidade, já não escolhe sexo, idade ou classe social. Talvez aqui haja uma pequena chance para a rebeldia. “Não, papai, eu não vou me tatuar de jeito nenhum, especialmente esse dragão abraçando o distintivo do Flamengo.”

E a música? Já perdeu a rebeldia há décadas. Não é mais possível encontrar um som que a geração anterior não goste. Pais levam os filhos ao show do Kiss e jogam juntos o RockBand do AC/DC. Onde foi parar o saudável conflito de gerações? O que sobra para o jovens em termos de estilo musical é o Emo, mas aí os pais têm que intervir forte, internar se for preciso. As drogas, que seriam um campo fértil para afirmar a juventude, também não servem mais ao propósito. Saíram da contracultura e foram parar na mão dos traficantes.

Restam ainda o campo político e as causas sociais. Só que são campos minados. Entrar para a Juventude do DEM, por exemplo, não é uma opção, é um paradoxo. Se você se filiar à Juventude PMDB, nem “Fora Sarney” poderá gritar. Aliás, não poderá gritar nada, já que a única causa defendida pelo PMDB é o PMDB. A vantagem de se filiar é que você terá um pai com quem brigar: o pai do Real. Seu problema será com o excesso de tios. No Juventude PT, você virará um adesista. No campo social sobram as ONGs. A questão aqui é que a causa escolhida pode envelhecer antes mesmo de você. Uma hora tem que salvar o canguru, na outra tem que atirar nele. Ter uma bandeira para levantar está tão difícil, que tem gente enchendo a boca para dizer que detesta o Bill Gates, como se isso expressasse sua visão de mundo.

Sei que estou reclamando muito. Pode ser coisa de velho ranzinza – o que é bom sinal. De qualquer forma, meu intuito aqui não é só lamentar, mas apontar caminhos. Como tenho mais tempo do que vocês para pensar, fiz uma lista de algumas causas pelas quais ainda vale a rebeldia:

• Contra o WiFi cadeado.
• Contra as animações dos grandes estúdios só chegarem ao Brasil em versão dublada.
• A favor do gerundismo. Você vai estar entendendo, então por que vai estar complicando?
• Pelo fim da música que acompanha cada formando nas cerimônias de formatura.
• Pela eliminação das apresentações de PowerPoint com mais de 20 slides.
• Pelo fim das matérias melosas sobre mudança de estação climática nos telejornais.

Se alguém se lembrar de mais alguma causa importante, por favor, envie-me.